A regulação da amplificação de conteúdos alojados em plataformas digitais é hoje uma das áreas mais críticas na proteção dos direitos fundamentais no espaço digital. Com a aprovação do Regulamento dos Serviços Digitais (“DSA”), em vigor desde fevereiro de 2024, a União Europeia adotou um conjunto de medidas sobre a forma como as plataformas digitais amplificam ou limitam (despromovendo) a divulgação de conteúdos online. Tendo em vista limitar a exposição a conteúdos não só ilegais, mas também “legais, mas prejudiciais”, o DSA confere simultaneamente aos utilizadores um maior controlo sobre a forma como pretendem que a informação lhes seja apresentada. No essencial, este novo quadro regulatório veio “apertar o cerco” às plataformas online (especialmente as que abrangem uma proporção significativa da população da União), a fim de atenuar os “riscos sistémicos” e fazer respeitar os direitos fundamentais no ciberespaço, com especial destaque para a privacidade, a não discriminação e a liberdade de expressão.
O presente texto apresenta as principais medidas relativas à amplificação de conteúdos no âmbito da DAS.
Principais medidas sobre a amplificação de conteúdos no DSA
O DSA introduziu várias obrigações sobre a amplificação de conteúdos alojados em plataformas em linha, em especial para as plataformas de muito grande dimensão (“VLOP e VLOSE”) que servem mais de 10% da população da União Europeia. A saber:
- Restrição de conteúdos: O DSA impõe às plataformas online de alojamento virtual a obrigação de atuarem rapidamente sempre que tenham conhecimento da existência de conteúdos ilegais, removendo ou impossibilitando o seu acesso [artigo 6.º, n.º 1, alínea b)]. Os utilizadores poderão igualmente apresentar notificações para assinalar conteúdos que considerem ilegais aos prestadores desses serviços [artigo 16]. Note-se que estas plataformas devem fornecer informações e justificações sempre que uma conta é restringida, quer por conteúdos ilegais, quer por incumprimento dos termos e condições, para que os utilizadores possam exercer o seu direito de recorrer extrajudicialmente contra essas decisões, se necessário [artigos 16, 20, 21 e 23].
- Despromoção de conteúdos: Nos termos da alínea t) do artigo 3.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º, as plataformas online devem reduzir a disponibilidade, a visibilidade ou a acessibilidade de conteúdos ilegais (ou incompatíveis com os seus termos e condições).
- Transparência e controlo dos utilizadores sobre os sistemas de recomendação: As plataformas devem fornecer informações claras sobre os principais parâmetros dos seus sistemas de recomendação nos seus termos e condições, dando aos utilizadores a possibilidade de alterar ou influenciar esses parâmetros [artigo 27.] Além disso, os VLOPs e VLOSEs devem oferecer pelo menos uma opção para cada um dos seus sistemas de recomendação que não se baseie na “definição de perfis” (e.g., feed cronológico) [artigo 38].
- Proibição de publicidade microdireccionada que utilize dados sensíveis: O DSA proíbe a utilização de categorias de dados pessoais sensíveis – sobre a “origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados genéticos, dados biométricos para identificar uma pessoa de forma inequívoca, dados relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa” – para publicidade direcionada [artigo 26.º, n.º 3, da DSA e artigos 4, n.º 4, e 9, n.º 1, do RGPD. Esta restrição reforça a proteção da privacidade e reduz o risco de práticas discriminatórias ou manipuladoras (“padrões obscuros”).
- Mecanismo de resposta em caso de crise: Em situações críticas, como emergências de saúde pública ou campanhas coordenadas de desinformação em larga escala, o DSA permite que a Comissão Europeia exija aos Estados-Membros a apresentação e adoção de medidas específicas para atenuar os “riscos sistémicos”, o que pode incluir ajustes aos sistemas de recomendação (que personalizam e amplificam conteúdos). Estas medidas devem respeitar os princípios da proporcionalidade, garantindo uma proteção adequada e equilibrada dos direitos fundamentais em jogo.
Conclusão
Embora o DSA represente um avanço significativo na regulamentação das plataformas digitais, subsistem vários desafios. Não sendo possível antecipá-los todos, destacamos a ambiguidade em torno da definição do que constituem “parâmetros principais” de sistemas de recomendação, bem como a duvidosa eficácia das medidas de capacitação dos utilizadores sobre a personalização de informações (“efeito bolha”) sem uma literacia digital que as acompanhe. No fim do dia, o êxito deste novo quadro regulatório dependerá da sua aplicação e da capacidade dos reguladores (em especial dos “coordenadores dos serviços digitais”) para, em conjunto com as plataformas e os utilizadores, se adaptarem. Seja como for, um importante precedente de regulação triangular foi criado na Europa, sendo expetável que influencie a regulação em outros cantos do Mundo (“efeito Bruxelas”).