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Tribunal de Justiça da União Europeia reconhece estatuto de refugiado a mulheres, por integrarem “grupo social específico”, alvo de perseguição em virtude da sua identificação efetiva com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens

TJUE – Processo nº C-646/21

Em 11/06/2024, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Processo nº C-646/21, respondeu a um pedido de Reenvio Prejudicial por parte de autoridade judicial neerlandesa quanto à interpretação de regras para a concessão de pedido de asilo.

Na origem está um litígio referente à concessão de asilo a duas menores de idade de nacionalidade iraquiana, nascidas respetivamente em 2003 e em 2005. As jovens chegaram aos Países Baixos em 2015, residindo no país desde então de forma ininterrupta. Os pedidos foram inicialmente negados, tendo as menores apresentado recurso para o Tribunal de Primeira Instância de Haia.

A representação das menores alega que devido à sua residência de longa duração nos Países Baixos, estas adotaram normas, valores e comportamentos “ocidentalizados”. Enquanto mulheres, consideram ter a possibilidade de fazer escolhas por si próprias quanto à sua existência e futuro, “nomeadamente no que respeita às suas relações com as pessoas do sexo masculino, ao seu casamento, aos seus estudos, ao seu trabalho e à formação e expressão das suas opiniões políticas e religiosas”. Apresentam, pois, um fundado receio de serem “perseguidas em caso de regresso ao Iraque devido à identidade que forjaram nos Países Baixos, marcada pela assimilação das normas, valores e comportamentos diferentes dos do seu país de origem”. Alegam, por fim, pertencer a um “grupo social específico”, nos termos do artigo 10º, nº 1, alínea d), da Diretiva 2011/95.

As questões prejudiciais dizem respeito, sobretudo, à possibilidade de consideração de mulheres ditas “ocidentalizadas” como “grupo social específico”, merecendo especial proteção como refugiadas.

De início, a autoridade judicial neerlandesa considerou que as “mulheres ocidentalizadas” constituem um grupo demasiado heterogéneo para que se possa considerar que pertencem a um “grupo social específico”.

O TJUE tomou em consideração na sua decisão, para além das norma de Direito de Asilo da UE, as disposições da CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres), bem como a Convenção de Istambul (Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica), em particular no que toca  à consagração do princípio da igualdade entre mulheres e homens.

Quanto à Diretiva 2011/95, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, o TJUE, concluiu pela aplicação ao caso da norma disposta no do artigo 10º, nº 1, alínea d).

A decisão apontou que “se pode considerar que as mulheres, incluindo menores, que partilham como característica comum a identificação efetiva com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, ocorrida durante a sua estadia num Estado-Membro, em função das condições que prevaleçam no país de origem, pertencem a um ‘grupo social específico’, enquanto ‘motivo de perseguição’ suscetível de conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado”.

Importa dar nota que o Tribunal sublinhou dever ser observado o princípio do interesse superior das menores, que já se encontravam a residir nos Países Baixos desde 2015, tendo lá constituído a sua personalidade e valores culturais.

A decisão pode trazer repercussão a casos análogos, marcando a posição pela possibilidade de consideração que mulheres, cuja personalidade esteja ocidentalmente vincada, com a efetiva internalização do princípio da igualdade de género, possam constituir um grupo social específico afeto a discriminação em países terceiros, conferindo-lhes a possibilidade de adquirirem o estatuto de refugiadas.

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Texto integral do Acórdão disponível aqui.

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