TC – Processo n.º 440/2024 ; Acórdão n.º 506/2024
Por meio do Acórdão n.º 506/2024, a 1.ª Secção do Tribunal Constitucional , em fiscalização concreta, considerou não inconstitucional a norma que possibilita a valoração dos dados recolhidos por um GPS instalado em veículo pelo proprietário, entregues a pedido da Polícia Judiciária . No entanto, esses dados carecem de validação por um juiz para junção ao processo penal.
Tratam-se de recursos para o TC de decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que, em 28/02/2024, julgou improcedente o recurso (quanto ao mérito da pretensão penal) e rejeitou-o (na parte respeitante a um recurso interlocutório), em caso no qual o recorrente foi condenado, em primeira instância, na pena de 23 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado.
Cumpre destacar que, no decurso do processo em causa, houve a junção ao processo de “solicitação da Polícia Judiciária, de dados registados por sistema de GPS colocado numa viatura de aluguer com a matrícula”, o que poderia caracterizar meio oculto de obtenção de prova e infringir a privacidade do recorrente.
Assim, o Acórdão aborda duas questões. Por um lado, julga não inconstitucional a norma que permite valorar como meio probatório idôneo em processo penal os dados recolhidos por um GPS instalado em veículo pelo respetivo proprietário, entregues por este a pedido da Polícia Judiciária para fins de investigação criminal, decorrente do artigo 125.º do Código de Processo Penal. Por outro lado, já será inconstitucional a norma que permite essa junção sem a sua validação por um juiz.
Na sua análise, o Tribunal apontou à possibilidade de duas situações distintas: i) “a colocação, pelas autoridades de investigação, de aparelhos GPS em veículos, ativamente intrusiva na privacidade dos visados, ela própria criando, de um modo oculto e com caráter inovador”, em atividade não prevista no CPP, “mas que uma parte da doutrina aceita ter cobertura legal por analogia com o regime da localização celular”; e ii) “a mera obtenção de dados de localização que pré-existiam licitamente fora do processo penal e não foram gerados com finalidade probatória nesse âmbito penal”, menos intrusiva e que corresponde a meios de obtenção de prova já legalmente previstos, como a prova documental e a obtenção de dados informáticos nos termos da Lei do Cibercrime.
A partir desta distinção, o Acórdão entendeu que não havendo “abusiva intromissão na privacidade dos visados nem atuação à margem do quadro legal da prova em processo penal, resta concluir, pois, que a norma contida no artigo 125.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que é permitido valorar os dados recolhidos por um GPS instalado em veículo pelo respetivo proprietário, entregues por este a pedido da Polícia Judiciária para fins de investigação criminal não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte”, não havendo que se falar em ofensa à privacidade, como na hipótese de quebra do sigilo das telecomunicações (cfr Acórdãos n.º 268/2022 e 800/2023).
Por último, analisou-se a necessidade de validação por um juiz quanto à junção da mencionada prova ao processo penal. Nesse particular observou-se que “a obtenção de dados de localização gerados por aparelhos de GPS é suscetível de interferir com a privacidade das pessoas visadas, isto é, ofende o direito previsto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição”. Bem assim, concluiu-se “pela exigência de intervenção do juiz sempre que esteja em causa a junção a um processo penal de dados recolhidos por um GPS instalado em veículo pelo respetivo proprietário, entregues por este a pedido da Polícia Judiciária para fins de investigação criminal”.
Tendo em vista o exposto, o TC entendeu por “não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 125.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que é permitido valorar os dados recolhidos por um GPS instalado em veículo pelo respetivo proprietário, entregues por este a pedido da Polícia Judiciária para fins de investigação criminal”, bem como por julgar inconstitucional a norma contida no mencionado artigo, “quando interpretada no sentido de que a junção a um processo penal de dados recolhidos por um GPS instalado em veículo pelo respetivo proprietário, entregues por este a pedido da Polícia Judiciária para fins de investigação criminal, não carece de validação por um juiz, por violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República”, determinando-se “a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a fim de que este reforme a decisão em conformidade com tal juízo de inconstitucionalidade”. Não houve o acolhimento do recurso nos demais pontos suscitados.
A decisão pode ter grandes repercussões quando à produção, valoração de junção de provas em processos penais, mormente, quando se estiver diante de dados privados obtidos através de dispositivos eletrônicos pessoais.
Convidamos a todos a seguirem o Observatório nas redes sociais, para mais conteúdos relevantes e atualizados sobre a Justiça Constitucional.
Texto integral do Acórdão disponível aqui.