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Para o Tribunal Constitucional, o incumprimento da regra de confinamento domiciliar no período da pandemia não constitui crime de desobediência civil

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TC – Processo n.º 56/24; Acórdão nº 415/2024

Por Acórdão proferido em 28/05/2024, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional norma que determina ser de crime de desobediência civil o incumprimento de confinamento domiciliar no período do estado de emergência decretado no período da pandemia da Covid-19.

A questão foi levada à apreciação do TC por via de recuso de constitucionalidade interposto Ministério Público da decisão Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo de Instrução Criminal. A decisão não aplicou o crime de desobediência civil por incumprimento de isolamento domiciliar no período pandêmico, por inconstitucionalidade da norma resultante do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, conjugada ao artigos 3º e 15 e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021 e ao artigo 6.º da Lei n.º 27/2006.

A mencionada Resolução declarou “a situação de contingência em todo o território nacional continental”, na sequência da situação epidemiológica provocada pela doença COVID-19, até dia 30 de setembro de 2021.

O Ministério Público arguiu que o direito à liberdade não é absoluto, comportando restrições. Relembrou, ademais, que o período pandémico trouxe um “contexto de mais marcada excecionalidade – resultante da declaração do estado de emergência – e, consequentemente, de suspensão constitucional de direitos fundamentais e de reforço dos poderes públicos”.

Entretanto, o TC, seguindo entendimento anteriores, assinalou que, a despeito do estado de emergência decretado, se tratou “de período de normal aplicação de todas as normas constitucionais, designadamente as que se referem, por um lado, aos direitos fundamentais”. Assim, não estaria suspenso ou restrito o direito fundamental de liberdade pessoal consagrado no artigo 27.º da CRP.

No mais, a norma em questão não estatuiria “mecanismos específicos de garantia dos direitos dos cidadãos, nem qualquer tipo de controlo judicial; também não se exige que sejam prestadas, aos afetados, informações sobre os meios de tutela à sua disposição, para reação contra as medidas que lhes são impostas”; sendo assim, tem-se “um quadro de sistemática insindicabilidade, em particular por via jurisdicional, tanto prévia, quanto subsequente”.

Outrossim, não estaria em causa a repartição de competências entre os órgãos de soberania. Desta sorte, “na sequência cominação legal da obrigatoriedade de determinado comportamento e a qualificação como crime de desobediência do incumprimento de tal dever não podiam deixar de constar de lei da Assembleia da República, à luz do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c) da CRP”.

Apontou-se a inexistência de qualquer disposição legal emanada da Assembleia da República que impunha, em situação de emergência administrativa, – o estado de contingência decretado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021 – o dever jurídico de permanência em confinamento obrigatório (em estabelecimento de saúde ou domicílio), e que se puna, a título de desobediência, o incumprimento da referida ordem. Assim, a norma que se procurou aplicar ao caso careceria de “definição bastante para poderem ter-se por norma incriminatória suficientemente determinada”.

Por fim, quanto ao artigo 6.º da LBPC, o Acórdão compreendeu que seus preceitos “consagram apenas um dever de índole genérica de colaboração na prossecução dos fins da proteção civil, bem como, no caso dos cidadãos e entidades privadas, de acatar ordens, instruções e conselhos dos órgãos e agentes responsáveis pela segurança”.

A questão referente à qualificação de desobediência civil em situação de incumprimento de normas de confinamento no período da pandemia da Covid-19 também foi alvo dos Acórdãos nº 416/2024 e 417/2024, emanados no mesmo sentido pelo TC também no mês de maio de 2024.

O Acórdão nº 415/2024 concluiu, assim, que a interpretação normativa em análise “permite uma ingerência de tal modo ampla na esfera pessoal que, uma vez mais, não pode deixar de cair na alçada do direito fundamental consagrado no artigo 27.º da Lei Fundamental”.

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Texto integral do Acórdão disponível aqui.

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