Uma das grandes inovações trazida pelo Digital Services Act (DSA) foi passar a prever a existência de trusted flaggers. Apesar de o Regulamento não os definir, os trusted flaggers podem ser entendidos como entidades especializadas, com competências específicas em matéria de identificação de conteúdos ilegais, e estruturas dedicadas à deteção e identificação desses conteúdos em linha.
Se é verdade que as plataformas em linha, atualmente, constituem, para a maioria das pessoas, o principal ponto de acesso à informação e a outros conteúdos na Internet, também não deixa de ser certo a grande quantidade de conteúdos ilegais que podem ser carregados e, por conseguinte, consultados em linha, o que, por sua vez, suscita sérias preocupações que necessitam de respostas resolutas e eficazes. Na verdade, o que é ilegal fora de linha é-o também em linha: falo, em especial, dos discursos racistas e xenófobos, que instigam publicamente ao ódio e à violência. A importância dos trusted flaggers é, por isso, inequívoca, em especial no que diz respeito às grandes plataformas que são por todos conhecidas, em especial o “Facebook” e o “X”.
Previstos no artigo 22.º do DAS, e sem prejuízo de muitas outras coisas que poderiam ser referidas, do regime dos trusted flaggers ressaltam três aspetos.
1. A escolha dos trusted flaggers: até ao DSA, e na prática, cabia à plataforma em linha escolher os seus trusted flaggers, que, inclusivamente, podiam ser pessoas singulares. A partir do DSA, não só, por um lado, o estatuto de trusted flagger passa a ser, exclusivamente, atribuído a pessoas coletivas, como, por outro lado, as entidades que atualmente assumem esse mesmo estatuto no contexto da União Europeia têm de o requerer à luz do DSA, o que pressupõe que satisfaçam as condições elencadas no artigo 22.º do Regulamento;
2. Controlo: um dos problemas que pode ocorrer no contexto dos trusted flaggers assenta na circunstância de a sinalização poder ser errada, o que, inevitavelmente, pode comprometer a liberdade de expressão do que foi responsável pela partilha do conteúdo, que, afinal, não era ilegal. Com o DSA, e nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, quando um fornecedor de plataformas em linha dispuser de informações que indiquem que um trusted flagger apresentou um número significativo de notificações insuficientemente precisas, inexatas ou inadequadamente fundamentadas, comunica essas informações ao coordenador dos serviços digitais que concedeu o estatuto de trusted flagger, que pode dar início a uma investigação. Se, na sequência dessa investigação, o Coordenador concluir que o trusted flagger já não satisfaz as condições estabelecidas pelo DSA, então pode revogar o estatuto concedido.
Como se vê, pretende-se garantir um equilíbrio adequado entre os direitos e interesses legítimos de todas as partes, nomeadamente entre a liberdade de expressão de quem partilha o conteúdo e o trusted flagger.
3. Utilização abusiva: intrinsecamente ligado ao ponto antecedente, o que acontece se, porventura, houver uma utilização abusiva, pelos trusted flaggers, de notificaçõess, nomeadamente por elas consubstanciarem informações que não são verdadeiras, pondo em causa a liberdade de expressão de quem partilha os conteúdos?
Com o DSA, os fornecedores de plataformas em linha podem suspender, por um período razoável e após terem emitido um aviso prévio, o tratamento de notificações apresentadas através dos mecanismos de notificação e ação por entidades que apresentem com frequência notificações ou reclamações manifestamente infundadas. Por sua vez, a avaliação sobre a eventual atuação abusiva destes trusted flaggers é feita com base no artigo 23.º do DSA, devendo a decisão de suspensão assentar numa base casuística, diligente e objetiva.
Aqui chegados, e como referido anteriormente, a existência de trusted flaggers, se já é importante só por si, ainda assume maior importância no contexto atual. Com efeito, e após as eleições nos EUA, é sabida a defesa quase absoluta que a nova Administração faz da liberdade de expressão. E com base nesta nova interpretação sobre os limites (ou a inexistência deles) dessa mesma liberdade, não só Elon Musk – dono do “X” – tem pressionado Trump para que seja possível contornar a legislação de Direito da União Europeia – em especial, o DSA –, como o próprio Vice-Presidente dos EUA, não só em campanha eleitoral ameaçou condicionar o apoio dos EUA à NATO ao facto de a UE não tomar medidas contra o X, como ainda recentemente, num discurso proferido em Munique, acusou a União Europeia de “falta de liberdade de expressão”, tendo em conta a excessiva regulação que sobre ela é operada (não só, mas também, pelo DSA).
Se é verdade que a existência do DSA – e, em especial, dos trusted flaggers – permite salvaguardar um mínimo de equilíbrio entre, por um lado, a liberdade de expressão e, por outro lado, eventuais outros direitos fundamentais que possam ser afetados pela utilização abusiva dessa mesma liberdade, resta saber se União Europeia será capaz de pugnar pela efetividade do DSA, quer perante as principais plataformas em linha, quer perante o outro lado do Atlântico. A resposta a esta questão – que não é apenas jurídica, mas política – determinará, em última análise, não apenas a subsistência do Regulamento, como também a subsistência da própria União Europeia.
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