TC – Processo n.º 771/2023 | Acórdão n.º 446/2024
Por meio do Acórdão n.º 446/2024, a 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, decidiu pela não inconstitucionalidade da norma que não permite a atribuição da prestação a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores ao alimentado menor que integre agregado familiar cujo rendimento ilíquido per capita seja superior ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), mas igual ou inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.
Cuida-se de recurso de inconstitucionalidade, pelo qual foi suscitada a inconstitucionalidade da norma referida, resultante da interpretação conjugada dos artigos 1.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, 3.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, e 5.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, por violação dos artigos 1.º, 2.º, 13.º, e 69.º n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
A norma jurídica que se extrai dos mencionados artigos não permite a atribuição da prestação a cargo do FGADM ao alimentado menor que componha agregado familiar cujo rendimento ilíquido per capita seja superior ao valor do IAS (actualmente de € 509,26) mas inferior ou igual ao valor da retribuição mínima mensal garantida – RMMG (actualmente de € 820,00).
Quanto ao alegado desrespeito à dignidade da pessoa humana, ao acesso a direitos sociais e à proteção da infância (artigos 1.º, 2.º e 69.º da CRP), o TC assinalou que a norma não eliminou a garantia de alimentos devidos a menores. Ademais, ao substituir o valor da RMMG pelo valor da IAS enquanto parâmetro de referência na determinação da condição de recursos, a norma poderia diminuir o número de crianças e jovens em condições de receber o benefício; entretanto, ao substituir o valor correspondente a 4 UC (€ 408,00) pelo valor do IAS enquanto limite máximo intransponível das prestações mensais atribuíveis àquele título, permitiu-se o “aumento do montante da garantia dos alimentos a prestar por cada devedor, elevando o quantum disponibilizável às crianças e jovens abrangidos”.
Quanto ao montante do indexante, apontou-se à sua pertinência, afastando-se o argumento da recorrente de que o IAS seria um parâmetro indicativo de indigência social e económica.
Frisou-se, ainda, o papel complementar exercido FGADM, que não se compara ao do obrigado à prestação alimentar.
Destacou igualmente a autonomia estadual a estabelecer as normas de efetivação de direitos sociais e garantias à dignidade humana.
Neste particular recordou-se que legislação combatida se encontrava “inserida no âmbito da estratégia global de contenção de despesa pública associada ao cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) acordado entre o Estado português, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, que vigorou entre 2011 e 2014 (vulgo ‘programa da Troika’)”, devendo ser ponderado o contexto sócio económico no qual teve lugar a sua aprovação.
O Tribunal considerou que, muito embora exista uma imposição constitucional do dever estadual a prestações sociais tendo em vista os pressupostos mínimos de uma existência digna e do desenvolvimento integral dos menores, a Constituição “deixa ao legislador democraticamente legitimado uma ampla margem de liberdade conformadora tanto na definição do modelo e regime de atribuição, como na escolha dos meios e dos instrumentos mais adequados para aquele efeito”.
Já quanto à suscitada discriminação entre famílias monoparentais e biparentais, o TC limitou-se a apontar que da norma “não decorre qualquer desigualdade de regime ou de diferença de tratamento entre pais ou mães cuidadores que cumpra avaliar sequer se tem fundamento razoável, uma vez que a lei é aplicável independentemente do sexo do progenitor que fica com o filho a cargo, bem como do sexo do progenitor que incumpra a prestação alimentícia”.
De se notar que, muito embora a norma possa não trazer qualquer discriminação direta, o TC não aprofundou o debate quanto à plausibilidade em uma interpretação normativa que tome em consideração o facto de que “são as mães que ficam oneradas de prover ao sustento dos filhos menores”, gerando uma patente desigualdade indireta de género.
Por derradeiro, quanto a um possível retrocesso social quanto à alteração do indexador para a atuação do FGADM apontou-se à inexequibilidade do postulado da vedação ao retrocesso em casos como o tratado, bem como que “a medida da liberdade de conformação do legislador é indissociável do princípio da alternância democrática – que inculca precisamente a ‘revisibilidade das opções político-legislativas’ tomadas em cada momento histórico”.
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Íntegra do Acórdão disponível aqui.